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Mitomania - compulsão por mentir




Como psiquiatra, frequentemente me deparo com comportamentos que desafiam nossa compreensão da mente humana. Um desses comportamentos é a mitomania, um termo que descreve a tendência compulsiva ou patológica de mentir. Embora mentir seja algo que a maioria das pessoas faz ocasionalmente, a mitomania envolve um impulso crônico e, muitas vezes, incontrolável de fabricar histórias, mesmo quando não há um benefício claro. Essa condição pode ter efeitos profundos na vida do indivíduo e em seus relacionamentos.

O que é Mitomania?

Mitomania, também conhecida como pseudologia fantástica, refere-se a um padrão de comportamento em que os indivíduos repetidamente contam mentiras que podem ser elaboradas, detalhadas e, muitas vezes, entrelaçadas com fragmentos de verdade. Ao contrário da mentira típica, que geralmente é motivada por objetivos específicos como evitar problemas ou obter algo, a mitomania é mais compulsiva. As mentiras contadas por alguém com mitomania são muitas vezes tão enraizadas que o indivíduo pode começar a acreditar nelas, borrando as linhas entre realidade e ficção.

As Raízes Psicológicas da Mitomania

A mitomania não é um diagnóstico formal, mas é frequentemente vista como um sintoma ou comportamento associado a várias condições psiquiátricas, incluindo:

  1. Transtorno de Personalidade Narcisista: Indivíduos com este transtorno podem mentir para criar uma imagem mais favorável de si mesmos, buscando admiração ou validação dos outros.

  2. Transtorno de Personalidade Borderline: Nesse contexto, a mentira pode ser usada como uma ferramenta para manipular situações ou para lidar com emoções intensas e medos de abandono.

  3. Transtorno de Personalidade Antissocial: Aqui, a mentira é mais estratégica e é frequentemente usada para enganar ou explorar os outros sem remorso.

  4. Transtorno Factício: Nos casos em que a mitomania se sobrepõe ao transtorno factício, os indivíduos podem mentir sobre sua saúde ou criar histórias elaboradas de doenças para ganhar atenção, simpatia ou cuidados médicos.

Diferença entre Mentira Compulsiva e Estratégica

É importante diferenciar a mentira compulsiva, como vista na mitomania, da mentira estratégica, que é mais orientada por objetivos. A mentira compulsiva é frequentemente impulsionada por uma necessidade interna em vez de incentivos externos. As mentiras podem ser espontâneas, e a pessoa pode continuar mentindo mesmo quando confrontada com a verdade, levando a um ciclo que pode ser difícil de romper.

Impacto nos Relacionamentos e na Vida Diária

A mitomania pode ter um impacto severo nos relacionamentos, tanto pessoais quanto profissionais. A desonestidade constante corrói a confiança, tornando difícil para os outros manterem conexões próximas com o indivíduo. Com o tempo, o mitômano pode se tornar isolado, à medida que amigos, familiares e colegas se afastam devido à falta de confiabilidade e previsibilidade do comportamento da pessoa.

Além disso, a pessoa com mitomania pode lutar com sentimentos de culpa, vergonha ou ansiedade enquanto lida com as consequências de seu comportamento. Esse conflito interno pode agravar ainda mais a condição, criando um ciclo vicioso que reforça a compulsão de mentir.

Abordando o Tratamento

Tratar a mitomania envolve abordar as questões psicológicas subjacentes que impulsionam o comportamento. Como em muitas condições psiquiátricas, uma abordagem abrangente é frequentemente necessária. Isso pode incluir:

  • Psicoterapia: A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ser particularmente eficaz para ajudar os indivíduos a reconhecer e mudar seus padrões de mentira. A terapia também pode abordar quaisquer transtornos mentais coexistentes que possam estar contribuindo para o comportamento.

  • Reconstrução da Confiança: A terapia também pode se concentrar na reconstrução da confiança nos relacionamentos. Isso pode envolver terapia de casal ou familiar para abordar o impacto relacional da mitomania e trabalhar em estratégias de comunicação que promovam a honestidade.

  • Medicação: Nos casos em que a mitomania está ligada a outros transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade ou transtornos de personalidade, a medicação pode ser prescrita como parte de um plano de tratamento mais amplo.


A mitomania é um comportamento complexo e desafiador que vai além da simples desonestidade. É uma manifestação de questões psicológicas mais profundas que exigem atenção e tratamento cuidadosos. Abordar a mitomania não é apenas sobre parar as mentiras; é sobre curar as questões subjacentes que as impulsionam.

Se você ou alguém que você conhece está lutando com a mentira compulsiva ou mitomania, buscar ajuda profissional é um passo crucial em direção à recuperação. Com o apoio certo, é possível romper o ciclo e reconstruir a confiança em si mesmo e nos seus relacionamentos.


Referências:

1. American Psychiatric Association. (2013). *Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders* (5th ed.). APA Publishing.


2. Caminero, M., & Limosin, F. (2016). Pseudologia Fantastica: A Psychopathological Review. *Psychopathology, 49*(3), 130-138.


3. Dike, C. C., Baranoski, M., & Griffith, E. E. H. (2005). Pathological lying revisited. *Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, 33*(3), 342-349.


4. Healy, P. (2010). Pseudologia Fantastica in a Patient with Factitious Disorder: A Case Report. *Journal of Medical Case Reports, 4*, 336.


5. Ford, C. V. (1996). *Lies! Lies!! Lies!!! The Psychology of Deceit*. American Psychiatric Press.


6. Hart, C. L., & Hare, R. D. (1997). Psychopathy and Sadistic Personality Disorder. *Psychiatric Clinics of North America, 20*(2), 301-312.

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