top of page

O suicídio nos campos de futebol



Robert Enke aparentemente tinha uma vida perfeita: uma bela esposa, mansões, carros, e a honra de jogar como goleiro pelo time do seu país, a Alemanha, na próxima Copa do Mundo. Entretanto, ninguém viu o câncer espiritual que o estava a devastar.


Logo após as seis da tarde de 10 de Novembro de 2009 ele tirou sua vida. No começo daquele ano, Enke e a esposa haviam adotado uma menininha (Leila) e sua viúva referiu em uma conferência de imprensa que o goleiro apresentava medos irracionais de que Leila seria removida de sua guarda. Vestida em trajes negros e com dificuldade para segurar as lágrimas Teresa, sua viúva disse: "Quando sua depressão estava aguda, foi muito difícil para nós, porque ele perdeu toda sua energia, toda esperança". O casal tomou a decisão de esconder a depressão de Enke, por medo da repercussão que essa teria no processo de adoção.


O cuidado que Robert Enke realmente precisava estava em falta no ambiente em que ele habitava. Apenas sua mulher sabia de seu sofrimento. Ele chegou a frequentar terapia, na tentativa de exorcizar seus demônios de culpa, dor e perda. Mas ninguém além de seu círculo mais íntimo estava ciente de seu problema. No mundo dos jogadores de futebol, onde se vive em grande, existem grandes pressões para mostrar apenas a faceta "fique rico rápido e sorria para as fotos". Não existia ninguém para ajudar o goleiro.


Enke não foi o primeiro e certamente não será o último atleta a sofrer de depressão; ele agora faz parte de uma lista negra de jogadores de futebol que não resistiram às pressões e à doença mental. Em 1982 Dave Clement, zagueiro inglês se envenenou por acreditar que sua carreira estava terminada após fraturar a perna. Em 1998 outro inglês, o atacante Justin Fashanu enforcou-se aos 37 anos com medo de ser condenado por assédio sexual a um menor de idade. Em 2008, o meia alemão naturalizado polonês Adam Ledwon, então com 34 anos, se enforcou dias após ter sido deixado pela esposa. No mesmo ano, o meio-campista grego Yiannis Koskiniatis, de 25 anos, se jogou de um prédio após ter sido deixado de fora de um jogo do seu time. Em 2009 Sarkis Aroyan, de 18 anos, da Armênia jogou-se de uma ponte aparentemente por medo de cumprir o serviço militar obrigatório. Outros ainda podem ser citados, como Hughie Gallacher da Escócia, que morreu em 1957; Sebastian Deisler da Alemanha, e o tcheco Jan Simak, ambos mortos em 2003. Diversos jogadores uruguaios se suicidaram no ano de 2021, alguns por medo de ficar na reserva após adoecerem por covid-19.


O suicídio de uma figura pública como um jogador de futebol traz à luz a dificuldade que muitas vezes os doentes e a família têm em saber quando procurar ajuda e quais os sinais de alarme. O estigma associado à doença mental pode fazer com que os envolvidos tenham medo de divulgar para amigos próximos e colegas de trabalho o quadro que os está a consumir e impede o reconhecimento de atitudes e pensamentos que podem predizer o comportamento auto-violento. Para familiares e amigos que estão a participar ativamente do tratamento e da recuperação do doente, reconhecer os sinais de alarme pode significar a diferença entre um tratamento sem sobressaltos ou o peso da culpa e do estigma de se sobreviver a uma tentativa de suicídio falhada (para o doente) ou a um suicídio (para o familiar). Estes sinais podem ser rapidamente enumerados a seguir:


  • Pessoas impulsivas, que podem passar rapidamente do pensamento à ação; primeira fase de recuperação da depressão, quando se dispõe de mais energia mas o humor continua morbidamente deprimido;

  • Piora da depressão;

  • Indivíduos que comentam sobre morte e suicídio;

  • Doentes que passam a deixar tudo “preparado”, como no caso de documentos; oferta de objetos pessoais de valor; escrever cartas ou notas a pessoas significativas, indicando intenção de morrer;

  • Sensação de sofrimento, abandono;

  • Ansiedade extrema;

  • Apatia e mudanças rápidas de humor.


Esta lista não é excludente e ressalto que, como no caso de Robert Enke, o cuidado especializado por um profissional de saúde mental é indispensável no caso de indivíduos deprimidos ou não com intenções suicidas. Você não está sozinho! Procure ajuda.


Se você está sofrendo com ideias suicidas para o Centro de Valorização da Vida (CVV) no 188 ou acesse: https://www.cvv.org.br/



91 visualizações0 comentário

Comentários


bottom of page